- Alexandre de Moraes (Foto: Antônio Augusto/ Secom/ TSE)
No último dia 29, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar na Reclamação 74.972, suspendendo o processo eleitoral iniciado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Piauí (OAB-PI) para o preenchimento de uma vaga de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI). Moraes fundamentou a decisão, apontando descumprimento de determinação anterior do STF, que havia suspendido a aplicação da norma estadual e o processo conduzido pela OAB-PI.
A decisão destacou que em junho de 2024, o Ministro Dias Toffoli, relator da ADI 7.667, já havia concedido liminar suspendendo os efeitos do parágrafo único do art. 9º da LC 266/2022 e do Edital 1/2024 da OAB-PI. Essa determinação vedava a continuidade do processo de preenchimento da vaga até o julgamento definitivo da ADI, em razão de suposta violação às regras de alternância previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN).
Apesar disso, a OAB-PI teria retomado unilateralmente o procedimento em dezembro de 2024, sustentando que a liminar teria perdido efeito. Esse ato foi interpretado por Moraes como uma afronta direta à autoridade das decisões do STF. Segundo o Ministro, permitir a continuidade do processo representaria não apenas uma violação da regra de alternância, mas também um precedente perigoso de descumprimento de decisões judiciais em questões de relevância constitucional.
Quinto constitucional
O art. 94 da CF reserva um quinto das vagas nos tribunais estaduais e regionais para advogados e membros do Ministério Público (MP). A norma tem como objetivo garantir diversidade na composição do judiciário, incorporando profissionais de fora da carreira da magistratura para enriquecer os julgamentos com perspectivas complementares.
Os representantes dessas classes são escolhidos a partir de listas sêxtuplas elaboradas pelos órgãos de suas respectivas categorias, que passam pelo crivo dos tribunais e, posteriormente, do chefe do Poder Executivo, responsável pela nomeação. Esse modelo busca assegurar pluralidade e equilíbrio institucional entre as classes representadas.
Para regular o provimento das vagas, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), em seu art. 100, § 2º, estabelece as regras de alternância e sucessividade. Essas diretrizes determinam que, em situações de número ímpar de vagas, deve haver um rodízio entre advogados e membros do MP. O objetivo é evitar que uma classe obtenha predominância na composição do tribunal, comprometendo a paridade essencial ao funcionamento do Judiciário.
No caso do TJ/PI, a controvérsia surgiu exatamente no contexto dessas normas. Com a ampliação do tribunal de 20 para 22 desembargadores, promovida pela LC 294/2024, criou-se uma vaga ímpar destinada ao quinto constitucional. No entanto, ao destinar a vaga diretamente à advocacia, acusou-se o dispositivo de violar a alternância, já que a última vaga ímpar do quinto constitucional no tribunal havia sido preenchida por um advogado.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.667
A ADI 7.667, ajuizada em junho de 2024 pela CONAMP, marcou o início do embate jurídico no STF sobre a nova vaga no TJPI. O ponto central da ADI foi a alegação de que o parágrafo único do art. 9º da Lei Complementar nº 266/2022, com redação dada pela Lei Complementar nº 294/2024, violava os princípios constitucionais da alternância e do equilíbrio entre as classes que compõem o quinto constitucional.
Na petição inicial, sustentou que a nova vaga, criada pela ampliação do TJPI, deveria ser preenchida por um representante do Ministério Público. Esse argumento se baseava no histórico do quinto constitucional no tribunal: a terceira vaga havia sido destinada à advocacia, de forma que a próxima, em observância à regra da alternância, deveria ser ocupada pelo MP. A CONAMP apontou que a destinação direta da vaga à OAB, prevista na legislação estadual, configurava afronta ao artigo 94 da Constituição Federal e ao artigo 100, § 2º, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN).
Ademais, a entidade argumentou que a norma estadual invadia competência reservada à legislação nacional e comprometeria o equilíbrio necessário entre as classes representadas no Judiciário. Para a CONAMP, o desrespeito à regra de alternância colocaria em risco a paridade, um dos princípios fundamentais para a legitimidade do quinto constitucional.
A ADI foi distribuída ao Ministro Dias Toffoli, que, diante dos elementos apresentados, concedeu liminar em junho de 2024 suspendendo os efeitos do parágrafo único do art. 9º da LC 266/2022 e do Edital nº 1/2024 da OAB-PI. Essa decisão paralisou o processo de escolha da lista sêxtupla para a vaga no quinto constitucional até o julgamento definitivo do mérito.
Na liminar, Toffoli destacou que o princípio da alternância entre as classes da advocacia e do Ministério Público é essencial para a composição plural do judiciário, conforme previsto na LOMAN. Também observou que permitir a continuidade do processo sem a análise final do STF poderia gerar desequilíbrios institucionais irreparáveis, comprometendo a legitimidade das decisões do tribunal estadual.
OAB-PI e CFOAB
Diante da liminar, tanto a OAB-PI quanto o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), admitido como amicus curiae, apresentaram argumentos contrários à suspensão do processo. O CFOAB defendeu a constitucionalidade da legislação estadual, afirmando que a ampliação do TJPI e a criação da nova vaga haviam seguido os trâmites regulares e respeitado a autonomia dos estados prevista na Constituição.
A OAB-PI também sustentou que a destinação da vaga à advocacia estava de acordo com o interesse público, considerando o histórico de contribuições dos advogados para a pluralidade do Judiciário. Além disso, argumentou que a interpretação da regra de alternância não deveria ser aplicada de forma rígida em contextos de criação de novas vagas, como o do TJPI.
O Julgamento
O julgamento da ADI 7.667 ocorreu entre os dias 22 e 29 de novembro de 2024, revelando profundas entre os ministros. O relator sustentou a constitucionalidade da norma estadual e validou o processo conduzido pela OAB-PI. Argumentou que a ampliação do TJPI e a criação da nova vaga foram realizadas de acordo com a competência legislativa estadual, conforme o art. 125 da CF. Para Toffoli, o princípio da alternância no quinto constitucional, embora importante, não deveria ser aplicado de forma absoluta na criação de novas vagas. O ministro defendeu que a legislação estadual não violava a LOMAN, refletindo uma decisão legítima do legislador local para atender às demandas administrativas do tribunal. Em sua visão, uma aplicação rígida da alternância desconsideraria o contexto específico do TJPI.
Por outro lado, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou um voto divergente, defendendo que a norma estadual desrespeitava o princípio da alternância previsto no art. 100, § 2º, da LOMAN. Para Moraes, o quinto constitucional transcende a autonomia legislativa estadual e deve ser aplicado de maneira uniforme em todo o território nacional. Ressaltou que a alternância entre as classes não é uma mera formalidade, mas um mecanismo essencial para garantir o equilíbrio na composição do Judiciário. Moraes também destacou que a destinação da nova vaga ao Ministério Público, conforme defendido pela CONAMP, seria a interpretação mais compatível com os princípios constitucionais de paridade e equilíbrio. Ademais, alertou para os riscos de permitir que legislações estaduais definam unilateralmente a destinação de vagas, o que poderia comprometer a harmonia do instituto e abrir precedentes preocupantes.
A divergência entre os ministros expôs a complexidade do caso e a pluralidade de interpretações sobre o quinto constitucional. Enquanto Dias Toffoli priorizou a autonomia legislativa estadual e a flexibilidade interpretativa, Alexandre de Moraes enfatizou a necessidade de uma aplicação rigorosa das normas nacionais para evitar desequilíbrios institucionais. Com o destaque do processo pelo Ministro Flávio Dino, o caso foi retirado do julgamento virtual e seguirá para análise mais detalhada no plenário físico, o que pode influenciar os votos e, consequentemente, a jurisprudência.
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