WASHINGTON – Brasil e Estados Unidos concluíram na semana passada as
negociações do novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permite o
uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão. O tema é debatido pelos dois
países desde 2000, quando o governo Fernando Henrique Cardoso assinou o acordo,
rejeitado na sequência pelo Congresso Nacional. Em entrevista ao Estado, o
embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, revelou parte das mudanças no novo
texto. Para ele, as negociações reduziram a ingerência americana no Brasil e
atenderam, dessa forma, críticas levantadas anteriormente pelo Congresso.
“Essa negociação encerra quase 20 anos em que estamos tentando lançar da
base de Alcântara mísseis de maior capacidade, de maior porte e que podem ser
utilizados no uso comercial sobretudo de lançamento de satélite”, afirma
Amaral. Depois de 2002, quando o AST fracassou no Congresso, o Brasil ensaiou
outras vezes uma nova negociação com os EUA, mas as rodadas de conversa sobre o
tema deslancharam em maio do ano passado. Os parlamentares brasileiros alegaram
nos anos 2000 que o AST fere a soberania nacional.
O acordo de salvaguardas tecnológicas prevê a proteção de conteúdo com
tecnologia americana usado no lançamento de foguetes e mísseis a partir da base
de Alcântara. Atualmente, 80% do mercado espacial usa tecnologia americana e,
portanto, a ausência de um acordo de proteção limita o uso da base brasileira.
O texto também é um acordo de não proliferação de tecnologias de uso dual –
quando as tecnologias podem ser usadas tanto para fins civis como militares,
caso do lançamento de mísseis.
Além dos recursos, o embaixador afirma que o acordo abre portas para uma
série de parcerias empresariais no setor e coloca o país, com mais força, no
debate sobre cooperação espacial.
“Não se trata de uma simples revisão de linguagem ou redação do acordo
de 2000. É um novo acordo, que incorpora cláusulas de outros acordos como o da
Índia e o da Nova Zelândia, e sobretudo teve por objetivo atender as críticas
feitas no Congresso Nacional e que levaram à rejeição do acordo de 2000.”
O novo acordo não prevê, por exemplo, a segregação de uma área na base
de Alcântara, e sim a restrição de acesso. “Não é apenas mudança de linguagem,
tem um sentido claro. Segregação é um conceito espacial, como se existisse um
pedaço do território cedido ao governo americano. Não é disso que se trata.
Teremos em Alcântara um espaço para proteção de tecnologia americana, mas
continua sendo espaço de jurisdição brasileira. Não é cessão de território para
ninguém, é um espaço que foi transformado em área de acesso restrito”, afirma o
embaixador. A entrada é restrita a pessoas credenciadas pelos dois governos ou
consulta pelo governo americano ao brasileiro.
“São questões que reduzem substancialmente o caráter unilateral, o
caráter intrusivo dos EUA”, diz. “Os americanos terão acesso ao espaço em que
estará essa tecnologia mas isso não quer dizer que não teremos qualquer
avaliação sobre as pessoas que entram, tudo será decidido de comum acordo.”
Também houve redução da ingerência exclusiva americana desde transporte até a
guarda e uso tecnologia. O escopo do acordo também ficou mais restrito. Antes,
a previsão era de proteção de toda tecnologia usada. Agora, ela é limitada a
mísseis, foguetes, artefatos e satélites só quando tiverem tecnologia ou
equipamentos americanos.
Uma das questões controvertidas na discussão sobre o acordo é com
relação ao uso de recursos obtidos da exploração comercial do lançamento de
satélites. Os recursos poderão ser usados em qualquer etapa do Programa
Espacial Brasileiro, mas não no desenvolvimento de veículo lançador.
Segundo Amaral, isso ocorre porque parte da política de não proliferação
e da legislação americana proíbe os EUA de entrarem em acordos em que, de uma
forma ou outra, promova transferência, desenvolvimento de tecnologia ou
financiamento do desenvolvimento de foguetes lançadores. Para ele, contudo, a
cláusula é inócua, porque nada impede que toda a receita obtida financie o
Programa Espacial Brasileiro e o Tesouro Nacional arque só com o
desenvolvimento de foguetes lançadores. O novo acordo inclui uma cláusula que
estabelece que nada no AST pode prejudicar o desenvolvimento autônomo do
programa espacial brasileiro.
“É uma parceria com os Estados Unidos na exploração comercial do centro
espacial de Alcântara.” Em razão de sua localização geográfica, é possível
economizar até 30% no combustível para lançamento de satélites a partir de
Alcântara. O acordo dura um ano e pode ser revisado. As negociações estão
concluídas, e o acordo passa por revisão de tradução dos dois lados e última
análise jurídica. A ideia dos governos é encerrar os trâmites a tempo de os
presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump assinarem o acordo no encontro que
terão na Casa Branca, em Washington, no próximo dia 19. Estadão