Por Simon Romero – (Tradução livre por Tereza D´Avila Lima) – Via Blog do Garrone
Declínio de uma família política abre o caminho para uma mudança no Brasil
SÃO LUÍS, Brasil
– A homenagem é pródiga. Entre no Convento das Mercês, uma jóia
colonial elegantemente restaurada construída aqui em 1654, e aprenda
sobre os feitos de José Sarney, ex-presidente do Brasil e chefe da
dinastia política que tem mantido o domínio sobre o vasto estado do
nordeste, o Maranhão, por cinco décadas.
Um documentário retrata o Sr. Sarney como um generosamente bigodudo governador tirando o Maranhão
de seu isolamento econômico na década de 1960. Fotos o capturam
presidindo a transição do Brasil para um regime civil na década de 1980.
A exibição de títulos, incluindo “Master of the Sea” (Mestre do Mar),
mostram seu talento literário como romancista-estadista.

Um
busto de José Sarney, um senador e ex-presidente do Brasil, no Convento
das Mercês. Nome e imagem do Sr. Sarney são onipresentes em São Luís,
capital do Estado do Maranhão. Crédito Mauricio Lima para o The New York
Times
Fora do Convento das Mercês,
que abriga uma fundação financiada pelo Estado anunciando Sr. Sarney, os
moradores são rápidos em apontar a marca da família ao redor de toda
São Luís, capital do estado.
Precisa de um lugar para
viver? Considere o bairro da Vila Sarney, eles brincam. Um hospital? Há a
Maternidade Marly Sarney. Quer ler um livro? Experimente a biblioteca
José Sarney. Precisa ir ao Centro Histórico? Pegue a ponte José Sarney.
E se você tem um problema, você sempre pode mover uma ação judicial –
no Forum Desembargador Sarney Costa.
Mas toda a celebração visível
do Sr. Sarney agora está em nítido contraste com a forma como o
patriarca, 84, e sua prole são amplamente percebidos tanto no Maranhão,
um dos estados mais pobres do Brasil, quanto no resto do Brasil.
Eleitores eliminaram políticos leais ao Sr.
Sarney no Maranhão nas eleições estaduais em outubro, e o Sr. Sarney,
por muito tempo um dos homens mais poderosos em sua posição no Senado
Federal, anunciou que não iria tentar a reeleição, possivelmente abrindo
o caminho para uma das mudanças mais profundas na política brasileira
nos últimos anos.
“O último grande coronel do
Brasil está finalmente em declínio”, disse Rodrigo Lago, advogado e
ativista da transparência, usando o termo para os homens fortes que
afirmam poder sobre grandes áreas do Brasil, principalmente aqui no
nordeste pobre do país.
“Se o Maranhão pode mudar, então oligarquias em outros lugares podem ser controladas neste país”, acrescentou.

Sr. Sarney disse que não vai tentar a reeleição, abrindo caminho para uma grande mudança no estado
Poderosas dinastias em outros
lugares do Brasil estão dando sinais de desgaste. Na Paraíba, outro
estado do nordeste, o filho de Ronaldo Cunha Lima, ex-governador que
vergonhosamente atirou em seu antecessor em um restaurante lotado, em
1993, sem nunca sequer cumprir pena por tentativa de homicídio, perdeu a
eleição para governador este ano.
Da mesma forma, os eleitores
recentemente frustraram o filho de Jader Barbalho – um senador poderoso
com um império de mídia regional, que há muito tempo tem lutado contra
acusações de corrupção – de ser eleito governador do Pará, o enorme
estado na fronteira da Amazônia com o Maranhão.
Naturalmente, poderosas
famílias políticas são resistentes, e dinastias sempre podem planejar um
retorno. Em Alagoas, um dos estados mais pobres do Brasil, o filho de
34 anos de Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, foi eleito
governador em outubro.

O Forum e a biblioteca também carregam o nome da família dele
Enquanto a presidente Dilma
Rousseff é do Partido dos Trabalhadores de esquerda, ela tem pouca
escolha além de forjar alianças com partidos de centro ou conservadores,
liderados por alguns chefes políticos da velha escola.
Mas, aqui no bastião de Sarney no Maranhão, muitas pessoas estão otimistas sobre as chances de, finalmente, virarem a página.
“É o nosso fim com os Sarney,
que ficaram no poder apenas para enriquecer-se”, disse Sueli Celeste,
48, secretária em uma escola perto do Convento das Mercês, no Centro
Histórico de São Luís, que abunda em um ‘palazzo’ (casarão) abandonado
após outro.
“Esconda o seu telefone quando você andar por aqui”, acrescentou. “Os viciados em crack vão roubá-lo se o virem tirando fotos.”
As raízes do ressentimento
não são difíceis de ver. O Maranhão continua sendo um dos estados mais
pobres do Brasil, com muitos dos seus habitantes conseguindo o seu
sustento como agricultores de subsistência.
No entanto, a família Sarney
conseguiu montar uma poderosa coleção de meios de comunicação em massa,
incluindo o jornal O Estado de Maranhão e TV Mirante, afiliada da rede
Globo de televisão, permitindo que o clã celebre suas conquistas e
ataque seus críticos.
“Os meios de comunicação
exaltam constantemente as grandes coisas que Sarney e seus aliados
fizeram e estão fazendo”, disse Sean Mitchell, antropóloga da
Universidade Rutgers, que realizou uma ampla pesquisa no Maranhão.
“Apesar disso, a prestação de serviços públicos por parte da família
Sarney e seus poderosos aliados é terrível.”
O Maranhão ocupa o penúltimo
lugar entre os 26 estados do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano
das Nações Unidas, uma medição abrangente de fatores como o nível de
educação, renda e expectativa de vida.
Escrevendo este ano, em sua
coluna de domingo em O Estado de Maranhão, jornal da família Sarney,
Sarney argumentou que o índice de desenvolvimento foi criado como uma
estratégia de “países imperialistas” para explorar as fraquezas do mundo
em desenvolvimento.

Moradores vão em direção aos seus animais em Alcântara, uma área rural no Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil
“Este é o índice que eles
alardeiam quando querem falar mal sobre o Brasil e pior sobre Maranhão”,
disse ele. (O índice foi na verdade criado por um ganhador do Nobel, da
Índia, e ex-ministro das Finanças do Paquistão).
Flávio Dino, um ex-juiz e
membro do Partido Comunista do Brasil, deslizou para a vitória na
corrida para governador em outubro contra o candidato aliado da família
Sarney fazendo campanha com uma plataforma de elevação do padrão de
vida.
Sarney nasceu em uma cidade
no interior do Maranhão, em 1930, como José Ribamar Ferreira de Araújo
Costa. Ele pegou o primeiro nome de sonoridade estrangeira de seu pai,
Sarney, e transformou em sobrenome e começou uma carreira política com
poucos paralelos no Brasil.
Um apoiador do golpe de
Estado de1964, que marcou o início de uma ditadura militar, ele
prosperou durante o regime autoritário, antes de emergir em 1984 como o
companheiro de chapa de Tancredo Neves, o líder da restauração da
democracia no Brasil. Eleito presidente em 1985, o Sr. Neves morreu de
complicações de uma cirurgia intestinal antes de assumir o cargo,
abrindo o caminho para a ascensão de Sarney ao poder.
Sr. Sarney, cujo assessores
disseram que ele não estava disponível para uma entrevista, deixou o
cargo em 1990, com um índice de aprovação de apenas 14% em meio a duras
críticas sobre a gestão da economia. Na época, o Brasil lutava com uma
taxa de inflação anual de 1,765%.

Biblioteca Presidente José Sarney
Então o Sr. Sarney se
reinventou como um senador representando Amapá, um território na
Amazônia feito em um estado em 1991, supervisionando o crescimento do
império de mídia da família e da entrada de seus filhos na política. Ele
ganhou destaque novamente ao longo da última década como presidente do
Senado, enquanto lutava contra acusações de nepotismo e corrupção.
Sua filha, Roseana, a
governadora ‘de saída’ do Maranhão, é celebrada nas páginas do jornal da
família (uma fotografia de primeira página em novembro mostrou o seu
dedilhar de uma guitarra, enquanto visitava uma escola). Mas seu último
ano de mandato foi atingido por uma crise sobre rebeliões prisionais
envolvendo decapitações e denúncias de que as quadrilhas estavam
estuprando as esposas dos presos durante as visitas conjugais.
Citando razões pessoais, a
Srª. Sarney deixou o cargo este mês, com apenas algumas semanas
restantes em seu último mandato, evitando a cerimônia de transferência
de faixa do governador para seu sucessor em 1º de janeiro. Enquanto isso, um testemunho no enorme escândalo de corrupção envolvendo a empresa nacional de petróleo ligou ela ao esquema. Srª. Sarney, que negou as alegações, também recusou um pedido de entrevista.
Alguns no Maranhão duvidam
que a família Sarney agora vai sentar e simplesmente observar seus
adversários exercerem o poder. Na verdade, a Srª Sarney foi retirada do
palácio do governador uma vez antes, após a eleição de um governador da
oposição em 2006.
Mas ele foi deposto em face
das críticas dos meios de comunicação controlados por Sarney sobre
acusações de compra de votos, permitindo que a Srª. Sarney entrasse e o
substituísse.
Seu pai, o patriarca da
família, permanece desafiador, mesmo no final de sua longa carreira
política. Escrevendo em sua coluna dominical sobre o “novo Maranhão”,
disse Sarney que o estado se assemelhava a “um corpo sem cabeça” antes
de se tornar governador em 1960.
“A geração de hoje não tem
noção daquela luta; a maior vitória de todas foi mudar a mentalidade do
Maranhão “, disse Sarney. “Foi tão forte que produziu um presidente da
república e o Maranhão surgiu como um dos mais importantes estados do
país”