O Estadão – O advogado Carlos José Luna dos Santos Pinheiro, acusado de ligação com organização criminosa formada por quatro desembargadores e dois juízes de primeira instância do Tribunal de Justiça do Maranhão, tentou destruir provas sobre compra de sentenças na Corte. Segundo a Operação 18 Minutos, que investiga o esquema, acuado pela chegada da Polícia Federal, Luna arremessou seu celular pela janela do apartamento no 10.º andar do prédio onde reside em São Luís.
O Estadão busca contato com Carlos Luna e outros advogados sob suspeita. O espaço está aberto. A reportagem pediu manifestação do Tribunal de Justiça do Maranhão, que não respondeu.
A Operação 18 Minutos foi deflagrada no dia 14 de agosto do ano passado, por ordem do ministro José Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. Agentes federais fizeram prisões e buscas nos endereços de investigados, entre eles Carlos Luna e os magistrados.
Na denúncia de 313 páginas enviada ao Superior Tribunal de Justiça, a Procuradoria-Geral da República destacou a conduta de Luna e de um outro advogado, Edilázio Gomes da Silva Júnior, ex-deputado federal e genro da desembargadora Nelma Sarney – cunhada do ex-presidente José Sarney -, apontada como ‘líder da organização criminosa’. Edilázio também tentou destruir provas da memória de seu celular, segundo a PF.
A Procuradoria atribui a Luna os crimes de corrupção ativa em pelo nove casos que estavam em curso no TJ do Maranhão e 413 atos de lavagem de dinheiro, além de embaraço à investigação.
Segundo relato dos investigadores, no dia em que chegaram ao prédio de Luna, na deflagração ostensiva da operação, o advogado atirou seu celular pela janela do 10.º andar, ‘no momento em que a equipe policial entrou no apartamento’.
O aparelho foi recolhido pelo porteiro do condomínio, Marcone Heleno Rocha dos Reis, que ‘imediatamente’ o entregou aos policiais que faziam a busca.
A perícia criminal da Polícia Federal constatou o dano e atestou, dois dias depois, que ‘o aparelho celular encontrava-se bastante danificado’ e que, até ali, não havia sido possível realizar a extração dos dados eventualmente armazenados’.
“É importante destacar que a presença da força policial não constrangeu Carlos Luna a agir para destruir provas, de modo consciente e voluntário”, anotou a PF.
Mas a estratégia do advogado não foi bem sucedida. Os peritos do Setor Técnico-Científico do Instituto de Criminalística conseguiram recuperar o aparelho e dele extrair e acessar ‘evidências digitais’.
O mesmo procedimento para aniquilar provas foi adotado por Edilázio, afirma a PF. Ele é apontado como importante elo do ‘núcleo causídico’ com o ‘núcleo jurídico’ da trama para venda de sentenças – o valor atualizado amealhado pela organização criminosa, apenas com a execução dos crimes denunciados, perfaz R$ 54,7 milhões, segundo a PGR, o que ‘demonstra a gravidade concreta das condutas praticadas, a periculosidade dos agentes e a sofisticação da organização criminosa’.
O genro de Nelma Sarney estava em Brasília no dia em que estourou a operação. Ele retornou a São Luís em vôo das 8h55. Quando desembarcou, os agentes o aguardavam munidos de ordem de busca pessoal emitida pelo ministro João Otávio de Noronha.
O celular do ex-deputado foi apreendido, mas os peritos federais logo perceberam que Edilázio restaurou o aparelho para as configurações de fábrica, eliminando todos os arquivos.
A restauração ocorreu às 08h20 daquele mesmo dia, duas horas e vinte minutos após o início das buscas domiciliares realizadas pela Operação 18 Minutos. A restauração elimina todos os arquivos, inclusive conversas, documentos, imagens, e-mails.
Ele chegou a São Luís às 11h09 – a fase ostensiva da operação havia sido deflagrada às 6hs. Os investigadores suspeitam que Edilázio foi avisado, ainda quando estava em Brasília naquela manhã, sobre as manobras da PF, inclusive em seus próprios endereços comercial e residencial.
Os federais foram aguardar Edilázio acompanhados de um representante da OAB, Frederico Dualibe Lima. O ex-deputado foi abordado na área de recepção de bagagens e desembarque por dois agentes à paisana. Ali estava também um advogado do próprio Edilázio.
“Não pairam dúvidas de que Edilázio Júnior estava ciente de que era alvo da operação, de modo que atuou para impedir o acesso da Polícia Federal a dados de interesse à investigação que estavam armazenados no aparelho de telefone celular, destruindo evidências digitais”, diz a PF. “Portanto, ao restaurar a configuração do aparelho de telefone celular após ter ciência da Operação 18 Minutos, ele agiu deliberadamente para embaraçar investigação que envolve organização criminosa.”
A Procuradoria imputa a Edilázio corrupção passiva por duas vezes, 80 atos de lavagem de dinheiro, organização criminosa e embaraço de investigação.
Carlos Luna e Edilázio são apontados como personagens importantes no esquema montado no TJ do Maranhão – além de Nelma Sarney, são acusados os desembargadores Luiz Gonzaga Almeida Filho, Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, Marcelino Everton Chaves (aposentado) e os juízes de primeira instância, Alice de Souza Rocha e Cristiano Simas de Souza.
O grupo dos causídicos encontrou acesso fácil ao Tribunal via a desembargadora Nelma. Segundo a investigação, Luna e outros dois advogados, José Helias Sekeff e Frederico Campos, eram, na época, advogados pessoais de Edilázio e de sua mulher, Alina Sarney, filha da desembargadora. Edilázio seria ‘sócio oculto’ do Maranhão Advogados.
Segundo a PF, a análise do celular de Nelma, apreendido na Operação 18 minutos, ‘evidencia que a desembargadora e Edilázio atuam juntos, de forma sistemática, para negociar decisões judiciais’. Entre as sentenças rastreadas pelos federais estão duas que resultaram em saques milionários contra o Banco do Nordeste, um deles no montante de R$ 14,1 milhões em favor do advogado Francisco Xavier que atuou na instituição financeira e entrou com ação requerendo R$ 12 milhões a título de honorários.
Os investigadores colaram nos autos do inquérito mensagens entre a desembargadora e o genro. Um diálogo resgatado indica que o ex-deputado sugeriu, em um processo movido contra o Banco do Nordeste, ‘a redação do dispositivo de decisão a ser tomada por Nelma Sarney’ – ‘conceder o efeito suspensivo em parte, tão somente pra impedir qualquer levantamento até o julgamento do presente agravo de instrumento’.
A desembargadora, em seguida, encaminhou o mesmo texto para sua assessora, Carolina Arósio Jorge, incluir na minuta da decisão. “Ao final, a decisão foi expedida da forma como sugerida por Edilázio Júnior”, afirma a PF.
No celular de Zely Brown, assessora e chefe de gabinete de Nelma, os investigadores também constataram ‘evidente e recorrente ajuste de decisões entre a desembargadora e Edilázio’.
Zely Brown, em uma ocasião, mencionou expressamente que recebeu um pedido de Edilázio para que Nelma concedesse efeito suspensivo em um recurso de apelação.
A Operação 18 Minutos ganhou esse nome porque este era o tempo que a organização levava para sacar o dinheiro obtido por meio da compra e venda de sentenças.
A PF sustenta que ‘a articulação’ da organização criminosa e os vínculos entre os membros dos núcleos judicial, causídico e operacional são evidenciados também pelo fato de que o advogado José Helias Sekeff e o filho do desembargador Marcelino Chaves – Marcelo Eduardo Costa Everton – foram assessores de Edilázio no gabinete dele na Câmara dos Deputados.
As mensagens recuperadas nos celulares de outros denunciados também demonstram que Edilázio ‘atuou em concurso com a desembargadora Nelma Sarney na execução do crime de corrupção passiva’.
Em um diálogo, Eliana Ramos, filha de Francisco Xavier, ‘menciona claramente’ a Fernando Ramos, filho do advogado, que o caminho para negociar com a desembargadora ‘é através de Edilázio’.
Na oportunidade, a mulher de Xavier relatou que os advogados Felipe Ramos e Carlos Luna ‘entraram em contato com Edilázio para, assim, negociar com Nelma Sarney sobre outro processo contra o Banco do Nordeste’.
“Agora deixa eu te falar uma coisa, eu tinha falado pro Felipe esse juiz não ia despachar esse processo, que era pra ele procurar entrar por outro lado, aí quando foi ontem ele viu que isso não ia acontecer porque ele não despachou e o Felipe pegou e junto com o Carlos foram falar com Evilázio para falar com a doutora, com a desembargadora Nelma, entendeu?”, escreveu a mulher de Xavier.
Ela seguiu. “Aí eu não sei o que foi que deu por que ele passou lá em casa lá no apartamento e só fez dizer isso, eu disse ‘te avisei que tu não perdesse tempo que ele não ia despachar esse processo’, te falei não sei quantas vezes, mas tu não acreditou, e já vai sair é o outro…O outro é que já tá mais perto de sair do que esse daí, porque esse documento daí ele tá prendendo e o outro já tá mais solto do que antes, entendeu? Ele foi falar com Bogéa, pro Bogéa pegar e botar em pauta de reunião de coisa pra ser julgado, aí esse daí também, esse é melhor esse é TRÊS MILHÕES, entendeu? Pois é tá nesse pé aí.” (O Estadão)
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