Deu na IstoÉ
Depois de cinco décadas no poder, dinastia Sarney se despede de forma melancólica do Maranhão
Para evitar o constrangimento de entregar
a faixa a seu arquirrival, Roseana Sarney renunciou ao cargo de
governadora do Maranhão 20 dias antes do fim de seu mandato. O gesto
amedrontado e deselegante é apenas uma parte do desastroso processo de
transição maranhense. Orientada pelo pai, o ex-presidente José Sarney,
que se despediu na quinta-feira (18) do Senado, Roseana deixou como
herança para o sucessor, o governador eleito Flávio Dino (PC do B), um
Estado endividado e cheio de armadilhas administrativas. “Ela deixou a
confusão para trás e sumiu. Vou tomar posse no escuro”, afirmou o futuro
governador, que se elegeu com a promessa de dar fim à dinastia de cinco
décadas da família Sarney.
Dino ainda desconhece o tamanho do rombo.
Só saberá ao certo no dia 1º quando tomar posse. Faltam informações
sobre contratos, liberações de verbas a prefeituras e pagamentos de
funcionários. O que é possível perceber, até agora, é estarrecedor.
Antes de sair, a governadora autorizou
licenças que comprometem a segurança pública do Estado e interrompeu
pagamentos no setor de Saúde, há duas décadas sem concursos públicos. “A
dívida com os precatórios é gigantesca. Não sabemos o que vai ser pago e
o que vai ficar para o próximo ano”, lamenta Dino.
O Estado vive dias de apreensão e
paralisia, enquanto Roseana desfruta de férias nos Estados Unidos,
depois de a Assembléia Legislativa autorizar uma pensão vitalícia de R$
24 mil para ela.
Prefeitos aliados da ex-governadora e
empreiteiros correm para a capital, em busca de notícias sobre o
pagamento de convênios atrasados. Para agradar ao eleitorado, muitas
obras foram entregues antes das eleições. Os prefeitos contavam com a
liberação de pelo menos R$ 74 milhões em recursos do Estado e penduraram
a conta com as empreiteiras. Mas os repasses ainda não vieram.
Agora, o governador em exercício precisa
decidir se sangra ainda mais as contas do governo para honrar as dívidas
de Roseana ou se cancela os convênios. Todas as opções são ruins para o
novo governador. Se pagar, o Estado sofrerá mais um baque no caixa, que
não está cobrindo nem mesmo as despesas com áreas cruciais como Saúde e
Educação.
O calote dos convênios, por outro lado,
acirrará a hostilidade política dos ex-aliados da família Sarney. “Sou
vítima de uma sabotagem”, acusa Dino.
Os empresários amigos da família Sarney,
no entanto, não foram abandonados por Roseana. Pelo contrário, estão
muito bem aquinhoados. Antes de renunciar ao cargo, ela assinou
renovação de contratos que só venceriam no decorrer de 2015. Para a
surpresa do sucessor, as decisões saíram no “Diário Oficial” com 20 dias
de atraso.
Mesmo sabendo que estaria fora do
governo, Roseana deixou outra bomba para o governador eleito desarmar.
Brindou um grupo de coronéis da Polícia Militar com um curso de
“tecnologia em segurança pública” por dois anos, mesmo diante da
explosão dos índices de violência no Maranhão. Inexplicavelmente, o
curso com previsão para começar este mês acontecerá em outro Estado, o
Rio Grande do Norte. A consultoria contratada para ministrar as aulas à
cúpula da PM do Maranhão custará R$ 9 milhões aos já combalidos cofres
do Estado.
Numa encruzilhada, Dino tenta ao menos
adiar a data da viagem, para não ver a PM desfalcada às vésperas de
assumir o mandato. Antes de renunciar, Roseana ainda tentou assinar um
contrato de R$ 1,3 bilhão relativo à administração penitenciária,
equivalente a 8% do orçamento total do Maranhão. Essa medida, no
entanto, a nova administração conseguiu reverter.
Ao mesmo tempo que cria dificuldades para
o novo governo, Roseana trabalhou para não deixar rastros sobre
problemas de sua gestão. A sessão de pessoal do “Diário Oficial” já
trouxe exoneração de 200 funcionários comissionados. Muitos deles nem
sequer cumpriam o meio expediente de trabalho do governo e outros
pertenciam à família da governadora e de seu marido, Jorge Murad. Ao
deixar o Senado, na quinta-feira 18, Sarney nem enrubesceu a face ao
dizer que deixava o Maranhão “na vanguarda” do país.
Fotos: Ailton de Freitas/Agência O Globo; Sérgio Lima/Folhapress; Adriano Machado/Agência Istoé
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