Dezessete anos depois de uma emenda constitucional ter retirado dos
estados o poder de decidir sobre emancipações, um projeto de lei
complementar (PLC), a ser votado na Câmara dos Deputados no próximo dia 4
de junho, pode devolver às Assembleias Legislativas a autonomia de
criar novos municípios. Levantamento feito pelo GLOBO nas Assembleias
dos 26 estados da federação revela que, se a porteira for novamente
aberta, o país poderá ganhar até 410 novos municípios, elevando para
quase 6 mil o número de cidades brasileiras — hoje já são 5.570.
Considerando
que os municípios com até oito mil habitantes criados entre 2001 e 2010
— em processos que ficaram sub judice no Supremo Tribunal Federal (STF)
— têm orçamento anual em torno de R$ 20 milhões, cada, a despesa dessas
410 cidades poderia chegar a R$ 8 bilhões por ano, uma vez que haveria
uma redistribuição das verbas da principal fonte de financiamento dessas
cidades, que é o Fundo de Participação nos Municípios (FPM).
A
Frente Nacional de Apoio à Criação de Novos Municípios, que diz contar
com o apoio de 350 parlamentares de diferentes partidos, admite que já
há um forte movimento nas Assembleias para criação de, pelo menos, 250
cidades, e prevê que 180 possam ser, de fato, emancipados. Mas o
deputado José Augusto Maia (PTB-PE), autor do PLC 2008/416, nega que vá
haver nova farra nos moldes da que ocorreu antes da Emenda
Constitucional 1996/15, que passou a subordinar ao Congresso o
surgimento de novos municípios.
— Fizemos um substitutivo global
que melhora e dá critérios muitos mais rígidos à criação de novos
municípios, levando em consideração o número populacional e a
viabilidade econômica de cada um, como geração de emprego e renda.
Pelo
projeto, após a aprovação do projeto caberá a cada localidade convocar a
população para que vote no plebiscito e decida se deseja a criação do
novo município.
Lançado pela Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), composto
por informações dos ministérios do Trabalho, da Educação e da Saúde,
demonstrou que em 58 prefeituras criadas entre 2001 e 2010 foram abertos
novos 31 mil cargos públicos, e movimentados recursos federais que
somaram, nos últimos cinco anos, R$ 1,3 bilhão, em repasses do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM).
Todo esse investimento,
entretanto, não se reverteu em melhoria dos indicadores sociais para a
maioria dessas cidades. Segundo o IFDM, divulgado pelo GLOBO em janeiro
último, 45% dos 58 municípios emancipados registraram piora de
desempenho ao longo da última década.
— A criação de novas cidades
implica em custos sim. Gerar novos municípios não implica
necessariamente obter nova arrecadação. Ele vai é subtrair dos recursos
já existentes, e distribuídos entre essas administrações. Ou seja, a
divisão vai ser maior — afirmou o gerente de estudos econômicos da
Firjan, Guilherme Mercês. — Para solucionar isso, a União tem que
aumentar os repasses, e, para isso, terá que haver aumento de impostos.
Sou a favor de que haja um melhor critério técnico na criação desses
municípios, e não o processo que nós vimos no passado.
Projetos passarão por filtro, diz deputado
Questionado
se a criação de novos municípios pode pesar mais no bolso do
contribuinte com um aumento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU)
e do Imposto Sobre Serviços (ISS), por exemplo, Maia diz que os
critérios do projeto são claros e que só passarão pelo filtro os
municípios que atenderem rigorosamente às regras. A criação de despesas
pode, ainda, dificultar o atendimento à população com serviços básicos
de qualidade.
— As secretarias estaduais de desenvolvimento
econômico ficarão responsáveis pelo estudo de viabilidade
econômica-financeira a depender das receitas de arrecadação própria de
cada município. Quem não atender aos requisitos ficará fora. Não haverá
farra — garantiu Maia.
Mas, para o deputado Chico Alencar
(PSOL-RJ), a farra de criação de municípios vai voltar se a lei for
aprovada. Ele critica a condução do projeto na Câmara.
— A
urgência do projeto tem clara intenção de privilegiar as eleições do ano
que vem. Os corredores do Congresso estavam tomados por prováveis
candidatos desses novos municípios. Não somos contra a criação de novas
unidades administrativas, mas é preciso ter uma discussão maior sobre o
assunto. Queremos regras mais claras — disse Chico Alencar.
O presidente da Confederação dos Municípios, Paulo Ziulkoski, elogia a ideia, mas vê riscos:
—
A aprovação da lei é importante. Os melhores indicadores do Brasil
estão nos pequenos municípios. A criação de novas cidades nos últimos
anos contribuiu para isso. O Brasil tem espaço para a criação dessas
novas unidades, principalmente no extremo Norte. O problema é que esses
novos municípios não podem ser criados com estrutura de estado, ou seja,
com centenas de secretarias, e com gasto elevado.
Para o
professor Luiz Roque Kleringer, especialista em administração pública da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a emancipação
melhora a qualidade de vida dos moradores, principalmente nas pequenas
cidades.