O município maranhense de Vitorino Freire, administrado por Luanna Rezende, irmã do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), é investigado pela Polícia Federal (PF) sob suspeita de fraude e corrupção com verbas da saúde do governo federal.
O município sofreu um bloqueio de R$ 8,4 milhões de dinheiro da União em 2022 após o Ministério Público Federal (MPF) entrar com uma ação apontando que os dados haviam sido distorcidos para inflar o número de atendimentos e, com isso, receber mais emendas.
Há um inquérito em andamento na Polícia Federal, instaurado em 2023, para apurar os crimes de corrupção e inserção de dados falsos em sistema público de informações entre 2019 e 2021, durante o primeiro e o segundo mandato de Luanna Rezende (União).
Em janeiro de 2023, a prefeita fez um acordo com o MPF para devolver R$ 4,5 milhões à União, encerrando a ação que pedia ressarcimento das emendas, mas não a investigação criminal.
Procurado, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, disse que "não é investigado e desconhece qualquer apuração sobre o assunto" (leia mais no fim do texto).
Valores acima da média
Com apenas 30 mil habitantes, um hospital credenciado no SUS, 15 UBS (unidades básicas de saúde) e uma clínica odontológica, a cidade recebeu R$ 200 milhões em incrementos à saúde desde 2019, um valor acima da média de prefeituras desse porte pelo Brasil.
Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o fundo municipal de saúde recebeu R$ 100 milhões através de emendas de relator ("orçamento secreto"), com pedidos feitos pela prefeita e pelo então deputado Juscelino Filho, R$ 32 milhões da bancada do Maranhão e R$ 16 milhões em emendas parlamentares individuais de Juscelino.
Em 2019, a produção do SUS no município quase triplicou em relação ao ano anterior, segundo um relatório produzido pela CGU (Controladoria-Geral da União), analisado pelo MPF.
Só as consultas de profissionais de nível superior na atenção especializada (exceto médico) foram de 55,4 mil em 2018 para 541 mil em 2019. Em 2020 e 2021, foram 613,5 mil e 568,7 mil. Seriam por volta de 20 consultas para cada cidadão da cidade por ano.
O UOL verificou que há outros números incongruentes. Em 2019, ano em que a produção explodiu, houve 87,7 mil consultas odontológicas, três idas ao dentista no ano por pessoa, e 98 mil consultas pré-natais. Considerando por volta de 9 mil mulheres em idade fértil na cidade, segundo o Censo, são por volta de 11 consultas para cada uma delas.
O inquérito que mira Vitorino Freire é parte de uma investigação sobre 47 cidades do Maranhão que apura desvios com verbas do orçamento secreto e levou à Operação Quebra Ossos em 2022. A apuração começou após uma reportagem da revista Piauí.
"São vários inquéritos policiais, muitos dos quais estão em andamento, em fase de investigação, e ainda não foram relatados pela PF", disse o MPF do Maranhão ao UOL.
Contratos da prefeitura
A empresa R R de Lima é apontada pelas investigações como responsável pela inserção dos dados falsos nos sistemas de diversas prefeituras do Maranhão. O município de Vitorino Freire tinha um contrato com a firma, com pagamentos anuais de mais de R$ 222 mil.
Exatamente um dia antes de ser deflagrada a Operação Quebra Ossos, em 13 de outubro de 2022, a Prefeitura de Vitorino Freire rescindiu unilateralmente o contrato com a RR. No dia seguinte, os irmãos e sócios da empresa, Roberto e Renato Rodrigues de Lima, foram presos pela Polícia Federal pela suspeita de participação no esquema.
Nos anos em que os números teriam sido inflados, o município fechou diversos contratos milionários com fornecedores, que estão na mira dos investigadores. Em 2019, uma empresa de terceirização de mão de obra médica foi contratada por R$ 4,8 milhões, por exemplo.
A firma, constituída em Belém (PA), se chama Médicos Associados Ávila, Pinheiro & Pontes Serviços Médicos e Diagnósticos Ltda, e tem contratos com diversas prefeituras. Apesar do nome, a empresa tem apenas um médico no CNES (Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde), Rodrigo Pereira Pinheiro, que é também o único sócio.
Além disso, as secretarias municipais da cidade também pagavam por funcionários terceirizados em outros contratos, em que a prefeitura desembolsava milhões todo ano. Não é possível saber quanto foi gasto efetivamente pelo município com cada empresa, porque o Portal de Transparência com informações antes de 2021 está fora do ar.
A Prefeitura de Vitorino Freire foi questionada pelo UOL sobre quanto foi pago efetivamente para as empresas, mas não respondeu. A reportagem perguntou também sobre quais foram as medidas tomadas pelo Executivo municipal para apurar eventuais fraudes nos dados do SUS e qual o posicionamento da prefeitura sobre as suspeitas de desvios, mas não teve resposta.
A prefeitura afirmou apenas que os serviços médicos contratados atenderam à população. DoUol
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